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  • Foto do escritorArquiteto Renato Goes

A Nova Arquitetura Cristã



    

Diversos teóricos das ciências sociais previam que a religiosidade mundial estava a caminho do seu fim com o advento da modernidade, ciência e tecnologia. Esta previsão se mostrou equivocada, pois a busca pela espiritualidade não somente permanece, como cresce exponencialmente na contemporaneidade.


Entretanto, a evolução nas diversas áreas do conhecimento também influenciou a forma como as comunidades de fé se organizam. Dados estatísticos comprovam que um exponencial número de indivíduos não se identifica com o modelo de igreja protestante tradicional. Segundo o IBGE no Censo de 2000, estes indivíduos eram denominados “cristãos sem vínculo institucional” e representavam 1,6 milhões da população brasileira. Já no Censo de 2010, o grupo, agora denominado “evangélicos não determinados”, representa 9,2 milhões dentre os 42,2 milhões de evangélicos, ou seja, um a cada quatro evangélicos não se identifica com nenhuma instituição especificamente. (TEIXEIRA; MENEZES, 213, p. 324)


Tendo mais que o dobro do número de adeptos à religião espírita, o grupo desigrejado (ou desinstitucionalizado) precisa receber sua devida atenção nas diversas esferas, principalmente na arquitetura. Assim, é necessário entender a complexidade existente nas relações sociais e que estas são produtoras de arquitetura. Uma obra pode ser atemporal, porém sua significância está atrelada ao grupo social que a aprecia. (HALBWACHS apud PULS, 2006)


A arquitetura é capaz de dignificar uma comunidade, não quando lhe força a um formato, mas quando espelha seu modo de ser, assim como a colmeia representa o modo de ser da abelha, ou o ninho representa o do pássaro (PULS, 2006). Entender o modo de ser do desinstitucionalizado é a chave para representá-lo sem vícios historicistas.


Apesar de recorrente na história, o movimento cristão desinstitucionalizado não conseguiu se consolidar diante do poderio da religião cristã institucionalizada e sua influência, que determinava o padrão de crença e formatos de organização. Porém, na era pós-moderna o movimento encontra terreno fértil para prosperar, pois faz simbiose com as características da sociedade, principalmente daqueles que fazem parte da geração Y.


A geração Y pode ser definida pelos nascidos entre os anos de 1985 e 1999. Devido à situação social e econômica que essa geração presenciou nas fases iniciais de sua vida, como o crescimento econômico e fortalecimento do neoliberalismo, a geração dos millennials tem valores associados à independência, à autoestima elevada e ao sucesso financeiro como algumas de suas características principais (MENETTI; KUBO; OLIVA, 2015).


Apesar de questionado por autores brasileiros, a geração Y possui características planetárias, possuindo acesso a ampla informação e culturas muito semelhantes, o que lhes permite se conectar a causas de todos os cantos do mundo (BAUMAM, 2007). A sociedade está sendo impulsionada pela geração Y ao abandono da chamada “sociedade sólida”, dentro da qual as pessoas se mobilizam em torno das várias coisas em comum que veem, ouvem e leem de forma quase padronizada, e está entrando na “sociedade líquida” ou “era da microcultura”, na qual as pessoas tendem a tomar escolhas distintas, guiadas por peculiaridades ainda mais específicas, como parte de “uma cultura repleta de nichos e tribos de pessoas que compartilham de diferentes gostos e interesses” (CARVALHO, 2011, p. 12).


A instituição religiosa como guardiã de estatutos, regimentos exclusivistas, dogmas restritivamente ortodoxos e apostilas de estudo bíblico “segundo a doutrina da denominação” choca-se diretamente com as os anseios e características desta geração, que consequentemente se vê defronte a duas escolhas: engajar-se no confronto às estruturas institucionais ou afastar-se delas e viver sua fé de forma mais orgânica.


O local onde os cristãos desinstitucionalizados se reúnem é uma das respostas mais complexas. Além de serem grupos em sua maioria com número pequeno de participantes, não possuem um formato homogêneo, apresentando desde grupos de rede social até grupos de capela, ou seja, grupos que alugam periodicamente um espaço para suas reuniões.


Em geral, o desinstitucionalizado busca um ambiente informal e cotidiano que o afaste da ideia de sacralização do espaço e o permita se pulverizar em meio a sociedade. Uma consequência dessa visão é a dificuldade que pessoas interessadas em aderir ao movimento tem para encontrar um grupo já constituído, pois estes se reúnem em casas e locais públicos, tendo publicidade somente àqueles próximos aos que já integram algum grupo do movimento.


A teoria que melhor se aplica às características do movimento é a do “não-lugar”. O não-lugar contrapõe-se ao lugar, pois não são espaços amarrados a funções momentâneas, os denominados “lugares de memória” (AUGÉ, 2012). O não-lugar é o espaço indefinido, homogêneo na possibilidade de funções que se pode tornar, tão fluído quanto às modificações contemporâneas e perceptivo ao individualismo e futuras efemeridades (CACCIARI, 2010).


Corroborando com o não-lugar, Foucalt (1966), ao discursar sobre o espaço heterotópico, afirma que estes espaços causam certo desconforto a quem o vivencia por não terem uma função objetivamente definida diante da magnitude da obra, o que impede a territorialidade de grupos específicos, mas continua sendo utilizado por indivíduos desde que tais espaços continuem satisfazendo suas necessidades. Apesar de caminhar contra um ordenamento social, Foucalt (2001) demonstra que o espaço heterotópico se torna um local de renovação social, algo intrinsicamente ligado ao ambiente necessário ao grupo desinstitucionalizado.


Diante destas observações, é cabível ao programa de necessidades do espaço cristão desinstitucionalizado evitar a determinação objetiva da função do espaço. Apesar de compreender que diversos grupos ocupando o mesmo espaço sem setorizações e divisões definidas pode causar uma desordem primária, esse espaço proporciona o “espaço possível”, passível à criatividade e fruto da personificação dos diversos grupos, além de não permitir o resgate inconsciente de tradições institucionais.


O resultado projetual desta discussão foi uma praça coberta, com portas que podem fazer toda a vedação do espaço em períodos de chuva ou frio, mobiliário retrátil e flexível que pode adapta-se a diferentes formatos de reunião. O projeto contribui para a melhoria da qualidade do espaço urbano da comunidade local, pois se insere em um espaço degradado da cidade de Campo Grande/MS.



O conceito arquitetônico apresentado busca contemplar o movimento cristão desinstitucionalizado e resgata o princípio da missão universal da igreja cristã, que é o “ide por todo o lugar”, uma ordem contrária ao pensamento institucional que parece dizer: “venham de todo o lugar”. A edificação propõe pulverizar a igreja dentro da comunidade, de modo que não se possa determinar intuitivamente se a igreja se utiliza do espaço da comunidade local ou se é a comunidade que é convidada ao espaço da igreja.



Renato Goes

Arquiteto e Urbanista


Recortes do meu TCC. Para ver o conteúdo completo click aqui.


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